quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Fazendo um agrado.

Este post é um legítimo pedido da audiência. Um leitor do blog sugeriu que discorresse sobre a montagem nos cinema. É importante deixar claro que não sou profissional, e nem estudioso do assunto, só sou uma cara que gosta muito de filmes, assistiu uma boa quantidade deles e acredita ter uma base, e cara-de-pau para este achismo displicente, por isso peço desculpas, não tenho base para uma explanação acadêmica ou histórica, e serei omisso com muitas das referências obrigatórias dessa incrível parte da carpintaria cinematográfica.

Tenho a tese furada de que a montagem é conseqüência da criação longa-metragem em ficção. No começo, o cinema era basicamente o registro do cotidiano, basta lembrar dos filmes dos irmãos Lumiére como Chegada do trem à estação, ou Saída dos operários da fábrica. A câmara ficava estática, distante, tentando manter um amplo foco enquadrando todo o cenário. Não nos esqueçamos que desde início o equipamento era muito caro, e pesado. Os realizadores pioneiros não se podiam dar o luxo de filmar seqüências com várias câmaras, nem tinha rolos de filme para jogar fora, além de que o “cameraman” operava manualmente o dispositivo. O sujeito não se animaria em se esfalfar filmando várias tomadas. Um perfeccionista como Charles Chaplin era o tormento das equipes dos estúdios, na sua obsessão em filmar dezenas, até centenas de takes.

Logo se atentou que filmes poderiam ser usados para contar histórias, mas ainda não existiam os códigos, hoje plenamente consolidados. Num documentário sobre os primórdios do cinema vi um Assalto na feira. Em pouco menos de 10 minutos, num plano seqüência (sem cortes), um grupo de 50 pessoas, num cenário que reproduzia um mercado de rua. Muita confusão, gente indo de um canto a outro, a câmara, sempre distante e parada, não permite entender o que ocorria, pelo menos, até o final, quando todos correm atrás de um menino segurando um porco.

Revendo o filme, aí sim, se percebe que no canto direito, o garoto tenta todo o tempo aproveitar uma distração dono do porco, para roubá-lo. Nenhuma indicação é dada para que atente que este é o único plot que interessa à história.

Hoje parece risível mas as primeiras audiências não conseguiram decodificar digamos, três cenas, óbvio, exibidas em sequência, na primeira alguém é convidado para de uma festa de aniversário, este explica que não tem o presente. Corte. O sujeito está numa joelharia e compra um relógio. Corte. Festa, ele entra e dar o presente para a aniversariante. No começo não havia a gramática que faria a platéia deduzir, que o rapaz saiu para comprar a jóia e depois entrega a moça. A montagem também necessitava ser assimilada, eis a contribuição de David Wark Griffith.

Como falei anteriormente, acredito que a montagem surgiu com os longa-metragens, que são um criação de D. W. Griffith. Quer dizer, é tanto criação de Griffith quanto a imprensa é de Johannes Gutenberg. A impressão, tipos móveis, tipo móvel de metal, já existiam antes de 1455, da mesma forma cortes, focos, planos, lentes angulares, em 1915, quando o americano filmou O Nascimento da Nação. O que ambos inventaram é o método que se tornariam paradigma.

Pense no seguinte roteiro:

“Marido chega em casa cansado, senta na poltrona da sala e tenta ler o jornal, sua mulher começa a discutir sobre as amenidades, o homem só quer um pouco de sossego, tenta várias vezes recomeçar a leitura, mas sempre é interrompido. A tensão cresce, lentamente ele se levanta vai na direção de uma gaveta, abre. Do lado do pacote com aspirina está um revólver, por um instante hesita, e por fim pega o remédio soltando um suspiro”

Numa peça de teatro, o ator teria que exagerar no gestos, desabaria na poltrona, pegaria e soltaria o jornal compulsivamente, na indecisão sobre qual coisa pegar na gaveta, seria histriônico, puxando, sem a mulher ver a arma, e o remédio, um depois o outro, cada vez mais rápido e histérico. Isso porque ele precisa nos direcionar o olhar. Num palco, vários metros longe da platéia, tem que supervalorizar seus atos.

Já num filme, por exemplo, podemos ter uma imagem sempre voltando para a manchete do jornal, demonstrando a tensão do casal em cortes acelerados para os rostos dos dois. A dúvida dos objetos na gaveta, close nos dois, suaves transições com a mão segurando um, depois o outro, um, depois o outro, um, depois o outro.

É a mesma cena, contudo os recursos de montagem, possibilitaram uma gama maior de tensão. Alfred Hitchcock, que dizia que o suspense é a expansão até o limite do insuportável de um momento de tensão, não funcionaria no meio teatral. Ele precisava desses recursos que mencionei.

Quem deu grande contribuição teórica (não menor que a prática) foi o cineasta russo Serguei Eisenstein. Defendia que a forma que a montagem é feita, por si só contribuía para como a enxergaríamos, a obra. É emblemático a seqüência em seu grande clásssico, O Encoraçado Potemkin, em que primeiro aparece a estátua dum leão deitado, depois outro que levanta a cabeça, por fim um em pé urrando, representando o levante popular. Não esquecendo da cena da escadaria de Odessa.



Repare que não aparecem o rosto dos cossacos, tal como na pintura de Goya.

Citando o Encoraçado Potemkin, é obrigatório lembrar da homenagem prestada em Os Intocáveis de Brian DePalma .



Não nego um certo tendecionismo, mas para mim ninguém alcançou a elegância das montagens dos filmes de Stanley Kubrick, nem mesmo o mestre Hitchcock. Eis meus argumentos:



Maravilhoso!

Em 2001 - Uma odisséia no espaço, tem o mais belo corte da história do cinema.



Percebeu? O macaco lança um pedaço de osso, e o que "cai" é uma nave espacial. A primeira ferramenta e a mais sofisticada, numa fração de segundo. Toda a história da humanidade cabe aí. Na seqüência o balé das naves no espaço ao som do Danúbio Azul de Strauss. Espetacular!



Como o post já esta muito grande fecho com um dos meus filmes favoritos. A montagem teve um senhor desafio em dar coerência a um filme que é contato de trás para frente, só vendo inúmeras vezes podemos comprovar o notável trabalho realizado aqui. Efusivamente recomendo Amnésia de Christopher Nolan (e todos mencionados anteriormente, é claro)



Bom divertimento!


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Now playing: Clint Mansell - Lux Aeterna
via FoxyTunes

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