sábado, 31 de janeiro de 2009

Fever Dog.


A cena mais tocante de Quase Famosos (Almost Famous, 2000) é quando Anita Miller (Zooey Deschanel) explica o porquê decidiu "sair de casa e se tornar aeromoça". Ela coloca na vitrola da casa a terceira faixa do álbum Bookends, de Simon & Garfunkel: America, para sua mãe e irmão menor. É pujante, normalmente esperaríamos uma sequência de xingamentos, agressões físicas, um constragimento que no futuro seria repetidamente jogado na cara de uma ou outra. Desta vez não; ainda que doloso, é delicado; convicente para todos que a decisão é dura, porém incontornável. Poderoso o simbolismo, música não apenas como entretenimento, e sim como forma de diálogo com o outro, verbalizando nossas escolhas, o quem nós somos para nós mesmos.
O filme é uma elegia de uma época morta, os álbuns em vinil são apenas a faceta mais vulgar disto. Hoje com os sites de torrent, ou para aqueles com pruridos, lojas virtuais onde se compra músicas em formato digital, e IPod's, findou-se o tempo que a música era uma oportunidade de congraçamento, uma experiência coletiva. O poeta T. S. Elliot disse uma vez que a televisão é a invenção mais deprimente da humanidade, faz com que milhares de pessoas possam rir da mesma piada mas todas estão sozinhas em suas casas. Decaímos mais um pouco, cada um ouve, solitariamante, seu próprio tipo de música, o problema não é nem o solipsismo (o recolhimento é uma chance para o autoconhecimento), mas que as estamos nos tornando quase autistas do tipo savant, acumulando toneladas de informação que acabam irrelevantes. Com o Google, Myspace, YouTube, blogs da internet podemos saber que tal DJ usou um coral de uma tribo perdida do Mali, para no final ser uma música na melhor da hipóteses exótica. Nunca cogitaríamos sentar e ouvir o que esta sendo tocado, como música de churrascaria, basta como ruído de fundo, não é para prestar atenção.
Encerrou-se o tempo que se comprava um álbum para ser apreciado plenamente, baixa-se apenas as faixas que interessam. Madonna vende a cascata que não apresenta um show, é um evento em que a música é só um dos atrativos (a legião de deslumbrados sempre cai nessa!). O artista que passa meses no estúdio buscando as melhores texturas sonoras está comercialmente morto, o que é pior que a morte física, a última tem lá seu apelo mórbido, aquele que não está no hit parade, é um leproso, um loser, que ninguém quer ter por perto.
Uma historinha rápida: os (insira seu insulto aqui) do Detonautas Rock Clube foram numa audição com o produtor Tom Capone, depois de ouvir as composições descacou os sujeitos, achando tudo sofrível, só que a gravadora estava procurando alguém com o som dos caras e que faria um contrato com eles. É o tipo de coisa que você jamais ouviria de alguém da estatura de Ahmet Ertugün, o descobridor de Otis Redding, Aretha Franklin, Wilson Pickett, Ray Charles, The Doors, Led Zeppelin; Crosby, Still, Nash and Young.
Voltando ao filme que motivou este post, tenho ainda duas coisas a destacar. Uma é a solar atuação de Kate Hudson, como Penny Lane. Ela nunca esteve tão linda e encantadora. Como afirmei, vivia-se outro tempo. Eis mais uma prova; quando Penny retruca da pergunta de William Miller (Patrick Fugit), se não conhecia gente normal.
-Gente famosa é mais interessante!
Tenho lembranças muito vagas; mas é verdade, um dia já foi assim mesmo.
Outra, são todas as cenas em que aparece Lester Bangs, encarnado pelo maravilhoso Philip Seymour Hoffman. Bangs é um personagem real, um dos melhores críticos de rock que já existiu, vale a pena buscar seus livros sobre o assunto, se não me engano, dois deles disponíveis em português.
Depois dos ensaios de George Orwell (outro dos meus heróis), durante o filme ele dá os melhores conselhos sobre como escrever, que pode ser sintetizado na frase (numa tradução livre):
- Seja honesto, honesto e impiedoso.
E também dá valiosas informações sobre o que é ser uncool:
-É claro que estou em casa, eu estou sempre em casa, eu sou uncool.
-Pode me ligar a qualquer hora, inclusive de noite, eu durmo tarde, bem tarde!
Não tem como não gostar desse cara!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Como o Dr. House tornou minha vida senão menos miserável, mais divertida: CENA II

31 de dezembro de 2008, 23h58min
-Todo mundo está saindo para a contagem regressiva, você não vem?
-Agora não dá, assim que terminar de assistir esse DVD eu saio.
-E ele termina em 2 minutos?
-Acho que ainda tem uns vinte minutos para o fim.
-Mas o ano-novo vai passar...
-Correção tenho um ano inteiro para desejar feliz ano-novo, faço isso com com vinte minutos de atraso.
-Esse DVD não é teu?
-Hã-hã.
-E tu não pode ver sempre que quiser?
-Exato, é assim que funciona. Decidi ver agora e aqui estou eu, não é uma maravilha viver numa democracia capitalista?
-Olha, desisto!! Depois tu fica reclamando que te chamam de anti-social.
-Se tivesse pegado a conversa do começo, saberia que não estava reclamando.

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Now playing: Al Green - love and happiness
via FoxyTunes