terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Who gives a fuck?

Do you speak english? Como traduziria o título acima? Várias vezes nos filmes a dublagem brasileira escolheu, "quem se importa com isso", e quando o intérprete estava furioso, "tô me lixando". De certa forma, está correto; mas de certa forma Sílvio Berlusconi (atual premiê da Itália) é um político de opiniões fortes, ou seja, não é essencialmente veraz. Tolheu-se a venalidade da expressão.
Imagine uma cena onde um pistoleiro liga para seu capo da máfia, e diz que o antigo consigliere da famiglia, principal testemunha numa investigação do FBI, a quem foi instruído a matar, está acompanhado do filho, mate os dois então, fala o bandido; é um menino de oito anos; e quem se importa com isso?
Outra, dessa vez no Country Club londrino, dois colegas do time de Pólo e ex-estudantes de Eton, o décimo-sétimo conde de Halifax, encontra o dono do maior estaleiro em York, trocando o seguinte diálogo: Meu Deus, homem! O que deu em você? É verão, e você usando cashmere!, o outro pousa seu cálice com xerez na mesa e, ora meu caro, e quem se importa com isso?
Dois episódios possíveis, fazem sentido, mas não críveis. As situações, personagens, contextos não batem. Um roteirista profissional, digno de assim ser qualificado, não escreveria isso. Então não é aceitável que na tradução seja descuidada, e prefira a escolha mais preguiçosa.
Há um lugar-comum em dizer que no Brasil tem a melhor dublagem do mundo, não tenho idéia de onde isso surgiu, e não entendo porque alguém, além dos próprios dubladores, a defendem tão ardorosamente. Até pode ser verdade, não dá para tirar os méritos de vários trabalhos tão carismáticos, tal é a identificação com o personagem, que atrapalha qualquer substituição. Tive essa sensação n'O Fugitivo (The Fugitive, 1993), Harrison Ford tinha a "voz de Bruce Willis". O Eddie Murphy de 48 Horas (48 Hours, 1982) é "diferente" de Um Tira da Pesada (Beverly Hills Cop, 1984), que para todos os efeitos é a oficial. O caso mais recente, e desastroso, foi a mudança da voz de Homer Simpson, que pelo que li sobre o assunto se deu, vergonhosamente e apenas, por razôes pecuniárias.
Gostaria de discorrer sobre alguns pontos. Relembrando, é inegável a capacidade que muitos dubladores brasileiros tem em criar empatia com o público, mas o objetivo aqui é mais criterioso.
Curioso que todas as vozes sempre estão no mesmo tom, seja que os personagens estejam se esgoelem em desespero, ou confabulando aos sussuros. A diferença é que nos últimos as palavras soam sibilantes e longas, e nas outras as vogais são mais abertas e com as palavras mais ditadas de modo mais rápido. O espectador perde um recurso a mais que valoriza o trabalho do ator e dá sutileza à história. Nota-se isso com Philip Seymour Hoffman em Capote (idem, 2005), reproduzindo a voz muito particular de Truman Capote (que é bem diferente da sua) com a mesma elegância da escrita dele. E prevejo que acontecerá com o Coringa de Heth Ledger no último filme do Batman (ainda não aluguei o filme, já disponível nas locadoras, e não pude conferir, se for o seu caso, caro leitor, esteja a vontade para deixar sua opinião nos comentários).
Outra armadilha, não solucionada é o sotaque. A casca de banana não é exatamente o estrangeiro exótico (oriental, do leste europeu, russo, africano, etc), mas o regional, o peculiar. Os personagens rurais, e preferencialmente cômicos, acabam falando num estilo que com boa-vontade pode ser rotulado como mineiro-caipira-retardado. Não é engraçado, é ridiculo. Caso queira presenciar um momento de vergonha alheia, procure Janela Secreta (Secret Window, 2004) e com o fast-foward, veja as cenas com John Turturro com o aúdio em português.
Por fim, o que motivou o post, e limitando apenas a produções faladas em inglês, onde o signatário tem alguma, mas não muita, autoridade para considerações.
A maior das bizarrices acontece no final d'O Bom Pastor (The Good Shephard, 2006), Edward Wilson e Richard Hayes (Matt Damon e Lee Pace, respectivamente) conversam. O que eles falam, o que está legendado e a dublagem, são três coisas divergentes. A legendado tenta se aproximar do original, mas a dublagem atira para outro lado. É verdade que o que conversam, tem relação com uma particularidade da língua inglesa que não encontra equivalente semântico em português, entretanto os tradutores podiam rebolar mais.
Incomoda também a suavização da linguagem. De início, é até louvável, nos dias de hoje, fuck é praticamente uma vírgulas nas frases, e nesse ritmo não deve demorar para ouvirmos até nos filmes da Disney, merecemos ser poupados disso.
O busílis nas vezes que se traem, ou emascula o roteiro. A linguagem forte participa na caracterização e dá profundidade à narrativa. Negligenciar isto prejudica a apreciação da obra. Atrapalha a conexão com nossas histórias pessoais.
Foi o que aconteceu na sexta-feira passada, quando a Globo exibiu Closer - Perto Demais (Closer, 2004). As situações oscilam entre o hilário e o insosso.
Larry (Clive Owen) está desesperado ao saber que está a mulher o está deixando, logo espumando de raiva por se descobrir traído, não vai resguadar pudores em perguntar polidamente: "vocês transaram nesta casa".
Ou antes quando ele troca mensagens num chat, e Dan (Jude Law) , a quem o doutor pensa ser uma mulher o chama de o sultão da mulherada, o termo não foi bem esse.
Não gostaria que a impressão fosse apenas sobre a vulgaridade, mas a habilidade de usando-a construir uma cena memorável. Como aquela em que Larry encontra Alice em um Clube de Strip-Tease e vão para uma cabine particular:
-Você é linda.
-Obrigada!
-What does your cunt taste like?
-Paraíso.
A frase em inglês foi traduzida como 'que gosto você tem?", fica esmaecida. Para quem sabe inglês, e claro viu o filme, podendo ver a perfomance arrasadora de Owen sabe que ele aliou essa grosseria com fragilidade. A luxúria e a solidariedade com alguém tão machucado quanto ele próprio. Pena que algo assim tão precioso seja perdido.
Não dá para dizer qual a melhor das dublagens, porque bem, teríamos que conhecê-las todas, e com avaliadores versados em todas as línguas afora. E quer saber duma coisa? Who gives a fuck?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A involução das espécies do Soul

Se a evolução se dá aos saltos, a regressão será por reboladas.
No bicentenário do nascimento de Charles Darwin, eis aí mais uma prova de que a não aplicação de suas teorias resultam em catástrofe:



Os primeiros detratores foram fundamentalistas religiosos que inventaram o Design Inteligente. Os novos inimigos são os executivos de gravadoras que trouxeram à luz, o horror: Justin Timberlake. O homem do Soul, que aprendeu a dominar, com sofisticação as ferramentas da sua voz, para garantir a sobrevivência, posto ao lado dum macaco. Que espetáculo deprimente!

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ao mestre com carinho!

Muitos ensaios discorrem sobre a importância das frases iniciais dum livro para arrebatar o leitor. Os mesmos argumentos podem ser transpostos para os filmes, o estranho é que demorou pouco mais de 50 anos da criação do cinema para alguém notar isto, e dá-lhe o refinamento, que ainda hoje não foi superado. Este homem foi americano Saul Bass. Formado pela escola de Design de Nova York, atendeu um pedido do diretor Otto Preminger, criar a abertura de Carmem Jones (idem, 1954). Os créditos, que de início, atendiam apenas exigências protocolares dos sindicatos, passaram a preâmbulo da história.
Carmem Jones é uma adaptação do musical da Broadway de mesmo nome, que por sua vez inspirado em Carmem, ópera de Bizet. Veja abaixo a solução empregada por Bass:



Com este trabalho, tornou-se um dos profissionais mais requisitados de Hollywood, e naturalmente, se deu ao luxo de trabalhar com os melhores. Em nova parceria com Preminger esteve no clássico Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959); um espetáculo ainda mais grandioso:



Bass foi ainda membro da equipe técnica responsável pelo que de melhor Alfred Hitchcock fez em sua carreira. Junto ao fotógrafo Robert Burks, o montador George Tomasini e o compositor Bernard Herrmann. Todos presentes em obras-primas como Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958):




e Psicose (Psycho, 1960):



É de Psicose umas das mais deliciosas querelas cinematográficas. Saul Bass sempre afirmou que a sequência do ataque no chuveiro, não apenas é idéia sua, como chegou a gravar um teste de câmeras com uma dublê, montou já na forma que se eternalizaria, e no fim das contas ele e Hitch co-dirigiram a cena com a atriz Janet Leigh. Hitchcock, por sua vez achava absurda a história, segundo ele, Bass apresentou uma versão, que rejeitou de cara, disse o que queria, detalhadamente, aprovou então os storyboards, e rodou tudo sozinho. Membros da filmagens corrobararam a narrativa de Bass, Leigh ficou com a de Hitchcock.
A partir dos anos 80, do século passado, o convites rarearam, e junto com a mulher, Elaine, voltou a Nova York dedicando-se a seu bensucedido estúdio de Design Industrial. Deve-se ao maior dos nerds do cinema, Martin Scorcese a volta triunfal do grande artista.
Com sua humildade e entusiasmo característicos, Scorcese convidou-lhe a fazer a abertura do filme que trabalhava na época: Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1989). O resultado? Os hilariantes créditos "cheirados" tal como uma carreira de cocaína:



Depois desse começo auspicioso, participou de todos os filmes do diretor ítalo-americano até sua morte em 1996. Sua presença de tão marcante que gerou herdeiros insuspeitos.
Seven - Os Setes Pecados Capitais (Se7en, 1995):



Prenda-me Se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002):



Ou plágios descarados compare os créditos de A Época da Inoncência (The Age Of Innoncence, 1993) e os da minissérie da Rede Globo, Os Maias (idem, 2001):





O mesmo para os cartazes, pelos quais também foi revolucionário. Veja as "semelhanças" dos de Anatomia de um Crime e Clockers - Irmãos de Sangue (Clockers, 1995):


Proponho um tira-teima, escolha qual dos pôsteres para o mesmo filme, é mais belo, o da esquerda é de Saul Bass:


Encerro com os dois, na minha opinião pessoal, melhores trabalhos. Não consigo apontar um que seja superior ao outro.
Cassino (Casino, 1995)



Spartacus (idem, 1960)



NOTAS:
  1. A idéia para o post nasceu de uma conversa com meu amigo, Márcio Aguiar, sendo a ele, então dedicado.
  2. Por uma orientação tacanha, a Rede Globo vem sistematicamente cortando as aberturas dos filmes exibidos na emissora. Quanto as séries de TV, o corte é sumário, sempre usando uma edição mambembe. O caso mais revoltante é o de Simpsons, todas as aberturas de cada episódio do desenho animado são diferentes, e nunca, repito, nunca foram mostradas pelo canal. Claro que quando se trata de seus próprios produtos, o caso é diferente, vai ver que é porque são assinados pelo gênio da raça, Hans Donner.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O homem planeja, e Deus ri.

Renato Machado, apresentador do Bom Dia Brasil da Rede Globo, tem um comentário diário na Rádio CBN sobre vinhos (que a emissora disponibiliza na forma de podcast, em seu site). O de hoje foi daqueles que abrem reflexões.
Um ouvinte mandou um e-mail dizendo que ele e sua mulher são apreciadores da bebida. Combinaram que a cada aniversário de 10 de anos de casamento celebrarariam bebendo da mesma garrafa, da safra de 2007, ano da cerimônia, assim até as bodas de ouro. Escreveu pedindo sugestões, uma última exigência, o vinho deveria no mínimo conservar a qualidade e se possível melhorar com o tempo.
Machado falou primeiro da dificuldade em encontrar um vinho que aberto, continuasse a melhorar com o tempo, existem casos de excelentes vinhos que envelhecem mal, do contrário, e o mais estranho, e no que melhor se encaixa no pedido do casal, de grandes vinhos nos primeiros anos, que passam por uma hibernação e depois de décadas ressurgem. E ainda que 2007 não foi uma das safras das mais prodigiosas.
Lembrei-me de, "ano passado só tivemos separações, neste ano só de casamentos", é a fala que abre uma das melhores cenas da comédia enólogo-filosófica (genêro inventado pelo signatário) Sideways - Entre umas e outras (Sideways, 2004). Sem estragar o prazer de quem não assistiu, e situando a outra parte da audiência, é quando Miles Raymond (Paul Giamatti) encontra sua ex-mulher no casamento do amigo. Findo o diálogo, Miles sente que chegou o momento para finalmente tomar aquele vinho especialíssimo que vinha guardando. Uma dica melindrosa, o aforismo de Napoleão sobre a bebida: Nas vitórias porque mereço, nas derrotas porque preciso.
Menos pelo deboche, o pedido do começo deste post traz o sentimento do desconcerto. A idéia de que o casal continuará casado pelos próximos 50 anos. Não penso em apaixonado, ou ainda amando-se por tanto tempo, não são condições necessárias para se manter um matrimônio, mas se ambos estão dispostos, há dividir, e apreciar na vida conjugal, tal como no vinho, o tempo que passarão adormecidos, um longo período de enfado, se terão a paciência para aguardar o novo sabor, contundo ainda valioso. Fico cogitando se o casal pensou nisso num rompante apaixonado, uma decisão consensual, uma idéia simpática, ou só uma graça para ter uma mensagem lida em rede nacional.
E imagino o desafio interno, necessário de cada um de nós, de até fazer uma troça do tipo: e se no final o sujeito na lua-de-mel atravessa a rua para comprar um chicabom para a mulher e é atropelado por uma ambulância; mas na sua hora, de espírito sincero, ter a certeza que conseguirá.