domingo, 6 de setembro de 2009

Inimigos Públicos (Resenha)


John Dillinger foi assassinado numa tocaia armada por agentes do FBI quando saia do Cine Biograph. Isto não é spoiler, é história! E qualquer um minimamente informado que Michael Mann a contaria em Inimigos Públicos (Public Enemies, 2009) sabe que ele se ateria aos fatos, com o rigor aos detalhes que vem caracterizando sua carreira.
Não há créditos de abertura em seus filmes, e Mann não apenas é entusiasta, mas um dos poucos que usam os recursos do cinema digital com autoridade: a câmera ágil mas não nervosa ou picotada com centenas e cansativos cortes, uma fotografia fascinante por minimalista. Tudo girando para criar uma experiência de imersão, hoje praticamente banida por deficiência dos realizadores, do cinema que não vê problemas de ser comercial, e que pode sim ser um produto refinado.
Uma constante que vem requintando a cada novo filme, o profissionalismo e ética no trabalho, seja ele qual for. Em Fogo Contra Fogo (Heat, 1995), Neil MacCuley (Robert DeNiro) dispensa um assecla por ser um desleixado, atira a esmo, imperdoável; o personagem de Al Pacino é descrito assim (cito de memória): "está no terceiro casamento, sabe o que isso significa, que nunca vai pra casa, que está sempre trabalhando, no escritório numa campana...". A família é sempre sacrificada, em Ali (Ali, 2001) é o fator (além da traição) para o divórcio Muhammed e Belina, que não queria que disputasse a luta com George Foreman no Zaire (hoje Congo). O policial Fanning (Mark Ruffalo) de Colateral (Collateral, 2004), ele próprio trabalhando na alta madrugada não hesita em ligar para um superior e arrastá-lo de casa para um necrotério.
Só que agora temos duas evoluções. Primeiro, se anteriormente os personagens estão sobrecarregados, estressados, pelo exigências da excelência absurda para o trabalho, John Dillinger se diverte com gosto, não confundir com displicência. Confirma-se no planejamento dos roubos de bancos, pelas roupas finas, a postura e fala ousada e levemente insolente. Tal excitação volta-se contra ele na metade da trama, quando descobre o que está ultrapassado, um novo tipo de criminoso começa a agir com a integração das quadrilhas por todo os Estados Unidos. Dillinger passa a ser um anátema por não só atrair atenção indesejada na caçada das forças policiais para prendê-lo quando, surpreso percebe que um balofo numa mesa com telefone anotando apostas na liga nacional de beisebol pode render muito mais que ele.
O segundo ponto revigorante é que mantendo a busca por um realismo, Mann também atiça o imaginário. O ar solene evoca O Poderoso Chefão (The Godfather, 1972), a violência os tradicionais filmes de gângster como Inimigo Público (Public Enemy, 1931), a ação dos homens da lei emula Os Intocáveis (The Untochables, 1987); e no ponto alto o próprio cinema; construtor de arquétipos, no seu personagem que entende o magnetismo do criminoso-heroi, não só usando a seu favor como medindo sua popularidade. Suas idas ao cinema não são só entretenimento, mas igualmente pesquisa de mercado. É patente sua sastifação.


Torna melhor o contraste com seus antagonistas um palpável, Melvin Purvis, por um sempre admirável Christian Bale; e outro imaterial no qual J. Edgar Hoover, (Billy Crudup) idealizador e diretor-chefe do FBI por quase 40 anos, acredita encarnar. Esse choque corroe o sisudo agente Purvis. Ele não acredita que está numa cruzada contra o crime ou em missão para fundar a primeira organização federal, que utiliza métodos modernos de investigação, é apenas um homem com um trabalho a fazer. Hoover sim, e quem conhece a biografia deste personagem sabe o quão perigosos homens assim podem ser. Fina ironia, e já antecipando o que viria na história americana, o filme não esconde os métodos deste ser sinistro; ao sair duma comissão no congresso, articula para difamar os senadores contrários as suas posições, ou sendo explícito que não importa através de quais meios, John Dillinger e associados deviam ser detidos.
Então de um lado temos um escroque com um distintivo e todo o peso da lei, e do outro um bandido galante e cavalheiro. Clichê? Só quando malfeito, Não é o caso aqui. Ainda melhor é que o segundo é que sem esforço angaria popularidade, o outro só pelo achaque.
Pena que no momento que escrevo esta resenha, Inimigos Públicos esteja saindo de cartaz nos cinemas, é desses filmes que perdem quando não vistos na tela grande. Seja pelos imensos close-ups que tosam os histrionismo e cacoetes forçados de qualquer atuação, e pelo magnífico ato final no cerco à Dillinger, culminando na última cena com sua amante, Billie Frechette (Marion Cotillard) sozinha no plano. Soberbo.
Eis logo abaixo a principal canção interpretada pela cantora Diana Krall, em pequena participação, depois o trailer. Se possível corra para próxima sessão disponível, ou esteja atento quanto chegar as locadoras, falando por mim, mal posso esperar para voltar a este microcosmo.