sexta-feira, 29 de maio de 2009

Que não se perca pela palavra.

Levantado do chão foi o primeiro livro de José Saramago que li, nas primeiras páginas havia um aviso que de início achei esdrúxulo. A pedido do autor a edição brasileira manteve a ortografia vigente em Portugal. E não seria a mesma, lá e cá? Lendo maravilhado, descobri que não exatamente, e mais importante, aprendi que não havia erro, na verdade a língua se tornava mais rica com suas variantes.
Vários anos, e livros depois, vejo um tanto decepcionado que Saramago, embora não um entusiasta, endossa a adoção do novo acordo ortográfico firmado entre os países de língua portuguesa. É estranho que justamente de um de seus grandes estetas, manifeste-se conformado nesse empobrecimento na marra da linguagem. Empobrecimento sim, as desculpas de unificação e simplificação não passam de falácia, enquanto o lucro das editoras com as novas impressões de livros, bem real. Óbvio que não se propõe um tratado para programas de ensino de respeito que mostrem as diferentes formas entre países, declarando-as corretas, é mais representativo assim, do que um edital vindo de um comitê.
Decidi usufruir acintosamente do "habeas corpus" de três anos de prazo da implementação gradual das novas regras, só que sempre sabichão já nos primeiros dias conhecia as alterações, aliada a neurose de ordem, acabei adotando-as desde de início no blog. Mas dá uma tristeza quando encontro solto no texto "re-eleição", ou engasgo num Coreia e perco um tempo até saber o que significa. Bem mais fácil que antes, realmente!
Por essas e outras, troquei de escritor português; sai Saramago, substituído por João Pereira Coutinho. E lavei a alma com este texto da crônica do excelente Ivan Lessa, que na cara-de-pau copio e colo logo mais abaixo, o original está aqui. Um aviso: antes de começar esteja o leitor municiado de um dicionário, não aqueles de bolso mais um legítimo pai-dos-burros, tijolão mesmo, de preferência o Houaiss.

"Elesbão, o bleso

Elesbão era conhecido na cidade por três particularidades: era bleso, sofria de incurável ofíase e criava gimnuro. Além disso, seu rosto glabriúsculo lembrava o de uma donzela gípsea.

Às tardes, cumpria um hábito cotio: com seu nariz acipitrino, lá se ia ele, em prolongadas giratas, bisbilhando sempre, entre dentes, surradas gnomas, de todos conhecidas.

Atendia-o, nos serviços de casa, um gibi magricela, portador de estranho gilvaz, que havia acolhido, por era de boamente. O tal, apesar de sua irrecuperável acídia e não raro acrasia - já que abusava dos abres, principalmente da cabriúva - era mantido por Elesbão, que morria de amores pelos saborosos doces de gila-caiota, que sabia, como ninguém, preparar.

Conta-se, porém, que certa vez, Elesbão abecou-o, por ter descoberto que o pixaim era atrevido em pôr aratacas, de pura maldade. Nesse dia, Elesbão, justamente achavescado, ficou de capiroto aceso, acofobou-se e acajipou a focinheira do cafuzo. Mas este nem chus nem bus."


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