domingo, 24 de maio de 2009

Górgones

Há algo pertubador na imagem abaixo:
A morte da Virgem, do mestre do barroco italiano Michelangelo Caravaggio (1571-1610). Sim, é Maria, mãe de Nosso Senhor, Jesus Cristo. Por analogia, tendemos a pensar que assim como foi poupada dos dissabores (e alguns prazeres) da vida terrena, assim também o seria no seu fim. Uma freira das minhas aulas de catecismo contou-me que alguns acreditam que Maria ascendeu aos céus, não como Jesus, em corpo luminoso; mas serenamente como carne viva.
Nada mais contrastante. A pele está esmaecida, esverdeada; ventre inchado com os gases da decomposição, cabelos desalinhados. Note a desolação das pessoas ao redor. Não, é estranho? Se alguém merece o paraíso é Maria, e afinal, reencontraria seu filho. O que explicaria penúria de Maria Madalena (abaixo, no detalhe).
Simples, o fardo da morte é terrível. O pintor não se olvida, escancarrando no vestido da Virgem um vermelho-sangue pujante. O próprio cenário foge das cores que transmite luto, sempre com as opções mais vivas. É proposital.
Caravaggio foi o ponta-de-lança da ofensiva da Igreja Católica contra os reformistas aliados a Lutero e Calvino. Nas modorrentas aulas de histórias, o professor do seu cursinho de vestibular falou sobre o Concílio de Trento, Santo Inácio de Loyola e a Companhia de Jesus. Correto, contudo insuficiente, estas medidas tem mais a ver com uma reorganização interna e política do Vaticano. No combate corpo-a-corpo pelo rebanho, contra àqueles que afirmavam que só a palavra de Deus, impresas, e nada mais, bastava para encontrar o caminha da redenção, contra-argumentou-se: e quanto os que não sabiam ler, as obras de artes nas catedrais, e igrejas não eram adornos, eram envagelizadoras, tinham papel decisivo na comoção do povo. Somente vendo, com nossos olhos, a revelação , podemos realmente acreditar.
Em vez de tentar evocar uma aúrea mística, Caravaggio buscou um realismo sem concessões, as representações de até então podiam ter um propósito arrebatador, mas sempre imponente, distante, sem alma. Preferia o corpo sem disfarces ou imposturas, o primeiro a retratar o menino Jesus como uma criança, em vez dum bizarro adulto pequeno.
Costumava desdenhar, visões do paraíso, santos, quem realmente saberia alguma coisa disso? Pecadores, vida deresgrada, isso sim está na nossa vida. Não se alcança a salvação sem atravessar a vida mundana. Contudo o chamado todos estão aptos a ouví-lo e será sempre avassalador.

É a Conversão de São Mateus, o instante exato em que o deprezível coletor de impostos atende ao chamado de Cristo: Tu vem comigo! Em seus olhos o turbilhão ao aceitar a nova fé, ele próprio chegar a duvidar apontado-se: Quem, eu? E sabemos que ele atende. E todos nós podemos no colocar no lugar dele. O mistério torna-se visível.






São Tomás de Aquino afirmou que primeiro a razão, para então a verdadeira fé. Caravaggio ousa questionar. É preciso ver, tocar, sentir, cutucar, tem que ser real, para enfim crer. A dúvida é sempre presente. O impacto da resposta, acachapante. Aqui, é o próprio Cristo que incentiva Tomé a afundar o dedo na suas feridas. Nada de insonso, filosófico, distante.




Há espaço para o humor, na espetacular e cativante Jogadores de Cartas:
O horror, e com um truque de gênio. O espanto na face é como um reflexo. Não é apenas o espectador da obra que exala repulsa, a Medusa , no momento da decapitação por Perseu, ao nos ver tem a mesma expressão. Para ela, nós que somos a abjeção:

Os tempos atuais são de desonestidades enojantes. Que outro sentimento pode se despertado quando embustes como as mostradas abaixo, ganham destaque em espaços nobres:


São algumas das obras (sic), da grande exposição no MASP, do artista Vik Muniz. É considerado o maior artista brasileiro em atividade. Isto mostra bem o estado de a quantas anda a arte no Brasil. Nem original o sujeito consegue ser, Andy Warhol já fez algo parecido, quarenta anos atrás.
E o que ele pensa? O discurso dos panacas e picaretas: romper a hierarquia da arte, tudo pode se transformar numa obra de museu. Lamento que o curador do museu tenha abdicado de suas funções, e não é de agora, no local já abrigou aquele estelionato com a arte, e nosso dinheiro (já que o evento é pesadamente subsidiado pelos impostos que pagamos) de abrigar um saguão vazio na última Bienal de Arte. O leitor deve se lembrar daquela confusão envolvendo uma pichadora presa num protesto ano passado, o ato aconteceu lá. E não posso deixar passar a estupidez desse protesto, vandalizando o local.
Voltando a Muniz, e que transcedência podemos alcançar admirando suas criações originais (sic):
Esse molho não tem uma aparência muito boa, ah, é, tem uma medusa no prato, será que fazem uma camiseta com a imagem na lojinha do museu?















Termino com algo que vale a pena falar, sempre. Davi, segurando a cabeça de Golias, uma das últimas telas de Caravaggio. É um auto-retrato. O inusitado é que suas feições não estão no herói. É Golias, decapitado e de olhos vazados onde seu rosto serviu de modelo. Na época, era um foragido com a cabeça à prêmio: vivo ou morto.
Quais suas intenções? No que pensava?
Talvez uma emulação de sua própria desdita. Um pedido de perdão. Ele próprio exortava seus demônios, sabedor que deveria ser punido. Um chiste.
Muitas teorias. Disto, dá gosto discutir!

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