terça-feira, 12 de maio de 2009

Eclesiastes 3,1-8


Li sobre uma teoria defendendo que a derrocada da indústria musical não começou com o MP3 e o Diamond Rio. O primeiro prego no caixão foi a incorporação das gravadoras aos mastodônicos conglomerados de entretenimento. Sem autonomia, gente gabaritada, e com sensibilidade, foi substituída por engravatados, de olho apenas no balanço trimestal.
Quem se daria ao luxo de esperar pelo menos 3 discos, para que o artista amadurecesse e encontrasse seu estilo, na verdade quanto mais dócil melhor. Já na estréia emplaca-se uma sequências de hits nos rankings de mais tocadas. Aos primeiros sinais de desgaste sai mais em conta jogar ao léu o coitado e erigir the next big thing.
Gosto da idéia. Não invibializa outras (como a supracitada sobre o MP3), e reuni um binômio tão poderoso quanto devastador: ganância e burrice. Explica coisas como o triste destino da Motown. Abandonou-se a sede de Detroit , donde tinha uma verdadeira conexão, para Los Angeles, e daí em diante foi minguando. Hoje a gravadora que foi ponta-de-lança do melhor da música moderna americana (Marvin Gaye, Smokey Robinson, Supremes, Jackson 5, George Clinton, Sly and Family Stone, Rick James), vive só de acervo. Com suas particularidades a história da Atlantic e Blue Note (voltadas para o Rock e Jazz, respectivamente).
Saem Ahmet Erturgün, George Martin, Quincy Jones, Phil Spector, entram Timberland, R. Kelly, Babyface, Pharrel Williams. Digamos que são dois times vencedores, cada uma em sua época, só que uma está para o seleção brasileira na Copa de 1970 e o outro para a de 1994, com toda a carga nostálgica e qualidade embutidas na comparação.
Voltando a tese inicial, a carreira de Madeleine Peyroux funciona como "grupo de controle". Esta cantora franco-americana tem a sorte de estar num gênero que atualmente ninguém dá muita bola, o jazz. Conservando uma certa tranquilidade para levar sua obra. Teve maturidade em se apoiar nos standards, encarando com uma docilidade charmosa as comparações com os mestres, e pesos de influências, como o timbre muito próximo ao de Billie Holiday. Uma sensibilidade que imprimiu sua própria marca em canções de mitos como Leonard Cohen, Serge Gainsbourg e Elliot Smith. Suas versões não se acanham frente aos originais.
Assim, após três discos, finalmente ela se sentiu a vontade para expor suas próprias composições em Bare Bones, lançado neste ano, desde já na minha lista de melhores. O começo não é promissor, com a boboca Instead. Uma coleção de versos tolos sobre como é bacana em vez de ficar deprimido, ver como o mundo é batuta e ficar alegrinho. Como ensina Rob Fleming, no livro Alta Fidelidade, de Nick Hornby, música boa mesmo, é sobre tristeza, fossa, pé-na-bunda (e atentem que não estou dizendo que não existe música alegre e divertida). A impressão ruim permanece na faixa-título Bare Bones, mesmo sendo melhor que a anterior.
O jogo está perdido, se você for da geração Ipod, que só ouve uma, ou duas faixas, e dez segundos das outras. Nós velhos caquéticos da velha ordem temos esta teimosia de ouvir todo o disco, chegou a hora da virada. Damn the Circunstances é linda:

Now the lines are drawn and we sleep in the rags and dust/ Where all good will has gone and the dreams we had went bust.

Você ainda está se recuperando e na sequência, versos tão diretos e devastadores como os de River of Tears:

Stop all this talk, turn off the telephone/ Open up another bottle, send those people home/Let it get real quiet, turn that lamp way down low/ I’m gonna float down this river of tears.

O clima é de intimidade, longe de declarações derramadas. Arranjos musicais minimalistas acentuam a voz, e ela embora delicada, chicoteia e marca sua mente:

I shiver in the mirror, pull my belt across my hips/ The leather’s hard in bending as your fingers to my lips/ I wrap it tightly in defense as if your arms were near/ But for your love and treachery there’s nothing left to fear/ I’ll take a glass of wine and recall the words you spoke/ From the bottom of your cup, covered in spit and smoke/ But in your voice I’ll hear my own and recognize the crime/ That all your love and treachery has ended up as mine/

Minha favorita Love and Treachery.
Bate uma tristeza quando me lembro que os discos de Madeleine Peyroux são um tanto bissextos, mas quem sabe:

Instead of feelin' low, get high on everything that you love. (É boboca, mas o ritmo é tão legal!)

ATUALIZANDO:
O post deveria ter links para as músicas citadas, e os leitores não imaginam minha decepção ao varrer sites como o Youtube e Rádio Uol, sem encontar nada.
Isto ficava martelando na minha cabeça, e não é que num estalo, acordando de madrugada, 04:52 (acredite, tive a pachorra de olhar a hora). E porque não olhar no Hype Machine. EURECA, segue o link, aqui.

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