domingo, 24 de fevereiro de 2008

Conduta de Risco (Resenha)

É divertido pensar que é uma piada metalinguística. Tamanho o fiasco de Batman & Robin, resultou no engavetamento por 8 anos de qualquer projeto com o Homem-Morcego, e depois de muitos senões reiniciasse a franquia do zero, com o foco numa abordagem realista, fugindo do carnavalesco que até então dominava a série. No meio de Batman Begins, o menino Bruce Wayne ouve de seu pai o conselho, "por que nós caímos, ora para nos levantarmos em seguida".
Com as exceções de Alicia Silverstone e Chris O'Donell, que continuam num limbo, não é que Joel Schumacher, Akiva Goldsman, Arnold Schwarzenegger, Uma Thurman, também ouviram o ensinamento de Thomas Wayne. Schumacher dirigiu o competente Por Um Fio, e o ótimo Tigerland. Goldsman depois ganhou o Oscar de roteiro por Uma Mente Brilhante, escreveu também Eu, Robô e recentemente quebrou a banca com nova parceira com Will Smith em Eu Sou A Lenda. Schwarzenegger se reinventou como governador da Califórnia, e não deixa de ser interessante um membro do Partido Republicano imigrante, pró casamento gay e com plataforma ecológica. Uma Thurman chutou o mala do Ethan Hawke, depois de descobrir que ele a traía, e não largou o pé de Quentin Tarantino até que cumprisse uma promessa vaga de um filme que ela protagonizaria de uma mulher que parte para a vingança contra o marido que tentou matá-la no dia do casamento. Sem isso talvez não veríamos Beatrix Kiddo empunhando uma Hattori Hanzo num colante amarelo emulando Bruce Lee no filme Arena da Morte, em Kill Bill.
Mas de todos a volta por cima mais surpreendente é a de George Clooney, é verdade que aproveitou a bolada que recebeu no desastre para comprar um palácio medieval em Lago Como, na Itália, onde mora, mas manteve o cachê congelado, o que não afugentou para ser convidados para projetos diferenciados. Um deles, que deu início a esta guinada, investimento seu numa produtora em conjunto com o diretor Steven Sodenbergh: Irresistível Paixão. O filme é excelente, muito divertido, digamos que lembra 11 Homens e um Segredo, pois Clooney repete o papel de ladrão charmoso, mas sem pirotecnias e com um roteiro melhor, não é à toa que é melhor papel de Jennifer Lopez, que esta incrível, e não me refiro apenas a sua forma física.
Deliberadamente não comentarei a faceta de Clooney como diretor, estou me estendendo muito, o assunto merece atenção especial, e ainda nem comecei a falar sobre o filme que me propus. Com sorte após o lançamento de sua nova empreitada, Leatherheads terei a chance de rasgar a seda.
Clooney tem suas melhores atuações em papéis opostos a sua persona pública de glamour e simpatia, homens moralmente ambíguos, dilacerados por conflitos e frustrações internas. Tais como o major Archie Gates de Três Reis, o cientista Chris Kelvin no (lamentavelmente de público restrito) Solaris e o agente da CIA Bob Barnes de Syriana, este último lhe valeu o Oscar de ator coadjuvante. E se este ano não fosse o de Daniel Day-Lewis, seria razoável esperar que levasse outro nessa vez na categoria principal por Conduta de Risco.
É o primeiro filme como diretor, do até então roteirista Tony Gilroy, o mesmo da série Jason Bourne. Da trilogia do agente desmemoriado, Gilroy foi especialmente bem sucedido em transplantar o sentido de urgência, inclusive com uma edição frenética, com muitos cortes (mas não maçante). O que torna mais admirável, é que na película raramente os conflitos acabam em violência física, em vez disso ela se manifesta em diálogos cortantes.
A história transcorre num espaço de 4 dias em que Michael Clayton (George Clooney), um advogado de uma grande firma em Nova York. Clayton é especializado na área do Direito que ele próprio chama de faxina. Através de uma extensa rede de contatos limpar a "sujeira" que os clientes de seu escritório. Num momento especialmente delicado, divorciado sem a guarda do filho, falido devido a um restaurante que não deu certo, devendo a agiotas que sem trégua lembram que o prazo vence numa semana, é chamado para limpar um estrago do tamanho do desastre de Chernobyl.
Um dos sócios-seniores da firma surta durante uma audiência de litígio, onde defendia uma Conglomerado Industrial que produziu um herbicida cancerígeno, contra uma ação coletiva de habitantes de uma cidadezinha em Milwaukee. O processo se arrasta a seis anos e o valor da indenização alcançou os 3 bilhões de dólares. Arthur Edens tem uma espécie de epifania, se recusa a tomar seus remédios contra depressão, e passa a sabotar seu cliente. Em pânico os outros sócios esperam que Clayton convença Edens a retomar sua medicação, e concluia o caso.
Uma das melhores sacadas do enredo é mostrar o quanto as pessoas que lidam com esse lado obscuro das grandes corporações tem que se manter constante estado de anestesia. Edens é o único caso clínico, mas os demais personagens tem que usar máscaras; anulam a espontaneidade como Karen Crowder (Tilda Swinton), que ensaia compulsivamente suas respostas até o ponto em que soam naturais. Marty Bach engole quaisquer escrúpulos ao ver a quantidade de horas desprendidas no caso e de olho numa fusão com um escritório de Londres. Os capangas a serviço da U/North, a tal empresa, que executam o serviço sujo,inclusive no sentido mafioso dessa expressão.
O elenco merece destaque, defendendo com garra seus papéis, já me manifestei quanto a Clooney, mas também é certo esperar um grande trabalho de Tilda Swinton, uma mulher que tenta se condicionar a ser o executivo que se espera dela, transformando-se numa caricatura assustada e histérica. E o que dizer de Tom Wilkinson, esplendoroso. Não consigo me lembrar um filme em que estivesse mal, mais ainda, não sei se o crédito é dele o de seu agente mais também o número de ótimos filmes que participa, Entre Quatro Paredes, O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Oscar e Lucinda, Moça com Brinco de Pérola e veja só: Batman Begins.
Por favor, veja o trailer do filme que posto abaixo. Atenção para a seqüência de diálogos de tão polidos que ofuscam, meu favorito é Clayton dizendo "eu não sou o cara que você mata, sou o cara que você compra" (só por preciosismo não escolho "eu sou Shiva, o deus da morte", o correto seria Kali). Se possível vá ver este belo filme. Excendo-me ainda mais, veja nos cinemas, se ainda em cartaz, ao menos para ver o fabuloso final, com a lírica última cena na tela grande.

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