sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

O homem planeja, e Deus ri.

Renato Machado, apresentador do Bom Dia Brasil da Rede Globo, tem um comentário diário na Rádio CBN sobre vinhos (que a emissora disponibiliza na forma de podcast, em seu site). O de hoje foi daqueles que abrem reflexões.
Um ouvinte mandou um e-mail dizendo que ele e sua mulher são apreciadores da bebida. Combinaram que a cada aniversário de 10 de anos de casamento celebrarariam bebendo da mesma garrafa, da safra de 2007, ano da cerimônia, assim até as bodas de ouro. Escreveu pedindo sugestões, uma última exigência, o vinho deveria no mínimo conservar a qualidade e se possível melhorar com o tempo.
Machado falou primeiro da dificuldade em encontrar um vinho que aberto, continuasse a melhorar com o tempo, existem casos de excelentes vinhos que envelhecem mal, do contrário, e o mais estranho, e no que melhor se encaixa no pedido do casal, de grandes vinhos nos primeiros anos, que passam por uma hibernação e depois de décadas ressurgem. E ainda que 2007 não foi uma das safras das mais prodigiosas.
Lembrei-me de, "ano passado só tivemos separações, neste ano só de casamentos", é a fala que abre uma das melhores cenas da comédia enólogo-filosófica (genêro inventado pelo signatário) Sideways - Entre umas e outras (Sideways, 2004). Sem estragar o prazer de quem não assistiu, e situando a outra parte da audiência, é quando Miles Raymond (Paul Giamatti) encontra sua ex-mulher no casamento do amigo. Findo o diálogo, Miles sente que chegou o momento para finalmente tomar aquele vinho especialíssimo que vinha guardando. Uma dica melindrosa, o aforismo de Napoleão sobre a bebida: Nas vitórias porque mereço, nas derrotas porque preciso.
Menos pelo deboche, o pedido do começo deste post traz o sentimento do desconcerto. A idéia de que o casal continuará casado pelos próximos 50 anos. Não penso em apaixonado, ou ainda amando-se por tanto tempo, não são condições necessárias para se manter um matrimônio, mas se ambos estão dispostos, há dividir, e apreciar na vida conjugal, tal como no vinho, o tempo que passarão adormecidos, um longo período de enfado, se terão a paciência para aguardar o novo sabor, contundo ainda valioso. Fico cogitando se o casal pensou nisso num rompante apaixonado, uma decisão consensual, uma idéia simpática, ou só uma graça para ter uma mensagem lida em rede nacional.
E imagino o desafio interno, necessário de cada um de nós, de até fazer uma troça do tipo: e se no final o sujeito na lua-de-mel atravessa a rua para comprar um chicabom para a mulher e é atropelado por uma ambulância; mas na sua hora, de espírito sincero, ter a certeza que conseguirá.

2 comentários:

Anônimo disse...

Como um bom vinho, seu texto, meu prezado, tem várias nuances. Apreciá-lo é fácil, mas a experiência do real prazer estético é reservada apenas para os que o leêm com calma, degustando-o. Para esses, tal como acontece com o bom vinho, os sentidos são apenas catalisadores de reflexões bem mais densas.
Abraço!
P.S.: Escrevendo posts dessa qualidade a responsabilidade aumenta viu? hehehe

Alexandre disse...

Obrigado pelo elogios, Márcio.
Quanto a responsabilidade, basta duas taças de um bom chileno que ela some rapidinho.
Abraços!