terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Ao mestre com carinho!

Muitos ensaios discorrem sobre a importância das frases iniciais dum livro para arrebatar o leitor. Os mesmos argumentos podem ser transpostos para os filmes, o estranho é que demorou pouco mais de 50 anos da criação do cinema para alguém notar isto, e dá-lhe o refinamento, que ainda hoje não foi superado. Este homem foi americano Saul Bass. Formado pela escola de Design de Nova York, atendeu um pedido do diretor Otto Preminger, criar a abertura de Carmem Jones (idem, 1954). Os créditos, que de início, atendiam apenas exigências protocolares dos sindicatos, passaram a preâmbulo da história.
Carmem Jones é uma adaptação do musical da Broadway de mesmo nome, que por sua vez inspirado em Carmem, ópera de Bizet. Veja abaixo a solução empregada por Bass:



Com este trabalho, tornou-se um dos profissionais mais requisitados de Hollywood, e naturalmente, se deu ao luxo de trabalhar com os melhores. Em nova parceria com Preminger esteve no clássico Anatomia de um Crime (Anatomy of a Murder, 1959); um espetáculo ainda mais grandioso:



Bass foi ainda membro da equipe técnica responsável pelo que de melhor Alfred Hitchcock fez em sua carreira. Junto ao fotógrafo Robert Burks, o montador George Tomasini e o compositor Bernard Herrmann. Todos presentes em obras-primas como Um Corpo Que Cai (Vertigo, 1958):




e Psicose (Psycho, 1960):



É de Psicose umas das mais deliciosas querelas cinematográficas. Saul Bass sempre afirmou que a sequência do ataque no chuveiro, não apenas é idéia sua, como chegou a gravar um teste de câmeras com uma dublê, montou já na forma que se eternalizaria, e no fim das contas ele e Hitch co-dirigiram a cena com a atriz Janet Leigh. Hitchcock, por sua vez achava absurda a história, segundo ele, Bass apresentou uma versão, que rejeitou de cara, disse o que queria, detalhadamente, aprovou então os storyboards, e rodou tudo sozinho. Membros da filmagens corrobararam a narrativa de Bass, Leigh ficou com a de Hitchcock.
A partir dos anos 80, do século passado, o convites rarearam, e junto com a mulher, Elaine, voltou a Nova York dedicando-se a seu bensucedido estúdio de Design Industrial. Deve-se ao maior dos nerds do cinema, Martin Scorcese a volta triunfal do grande artista.
Com sua humildade e entusiasmo característicos, Scorcese convidou-lhe a fazer a abertura do filme que trabalhava na época: Os Bons Companheiros (Goodfellas, 1989). O resultado? Os hilariantes créditos "cheirados" tal como uma carreira de cocaína:



Depois desse começo auspicioso, participou de todos os filmes do diretor ítalo-americano até sua morte em 1996. Sua presença de tão marcante que gerou herdeiros insuspeitos.
Seven - Os Setes Pecados Capitais (Se7en, 1995):



Prenda-me Se For Capaz (Catch Me If You Can, 2002):



Ou plágios descarados compare os créditos de A Época da Inoncência (The Age Of Innoncence, 1993) e os da minissérie da Rede Globo, Os Maias (idem, 2001):





O mesmo para os cartazes, pelos quais também foi revolucionário. Veja as "semelhanças" dos de Anatomia de um Crime e Clockers - Irmãos de Sangue (Clockers, 1995):


Proponho um tira-teima, escolha qual dos pôsteres para o mesmo filme, é mais belo, o da esquerda é de Saul Bass:


Encerro com os dois, na minha opinião pessoal, melhores trabalhos. Não consigo apontar um que seja superior ao outro.
Cassino (Casino, 1995)



Spartacus (idem, 1960)



NOTAS:
  1. A idéia para o post nasceu de uma conversa com meu amigo, Márcio Aguiar, sendo a ele, então dedicado.
  2. Por uma orientação tacanha, a Rede Globo vem sistematicamente cortando as aberturas dos filmes exibidos na emissora. Quanto as séries de TV, o corte é sumário, sempre usando uma edição mambembe. O caso mais revoltante é o de Simpsons, todas as aberturas de cada episódio do desenho animado são diferentes, e nunca, repito, nunca foram mostradas pelo canal. Claro que quando se trata de seus próprios produtos, o caso é diferente, vai ver que é porque são assinados pelo gênio da raça, Hans Donner.

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