sexta-feira, 9 de maio de 2008

Vida inteligente na madrugada, sério!!

Qual meu filme favorito? Para mim esta pergunta tem um significado bem específico, não é o melhor que assisti (até a data? Laranja Mecânica), também não é a raridade cult que praticamente ninguém mais viu (A Estrada Perdida), ou ainda o título odiado pela crítica (A Praia), nem a bobagem trash que desperta um estranho orgulho em defendê-la (Re-Animator), Para mim é aquele que estabeleceu não apenas uma singularidade quase instantânea comigo, mas que ao longo dos anos esta conexão só fez aumentar. Assim não tenho só um filme favorito, são três.
É verdade que assiste-os nos meus "anos de formação", dos 13 aos 17, só que não me rendo ao clichê. Acho desolador pessoas que não mais consigam se sensibilizar, ou que se tornam reféns dos gostos e códigos de uma época supostamente idílica. Espero ter deixado claro acima que minhas escolhas não são preponderamente cerebrais, também o são, mas há o elemento visceral. E com alegria que digo ser razoável que mais quatro filmes ascenderam ao panteão, e todos foram lançados depois de extraídos meus dentes do siso. Na ordem: Amnésia (Memento), Os Incríveis, Sunshine - Alerta Solar e Ratatouille. Só que isto é conversa daqui para dez anos.
A presente tríade sagrada, é harmônicamente dividida em: aquilo que eu sou, aquilo que amo, minha visão de mundo. Este post é dedicado ao último, se o tema surgir falo dos outros dois (uma dica: o primeiro é polônes, e o segundo, inglês).
Nesta sexta-feira no CORUJÃO da REDE GLOBO exibirá MASH de Robert Altman. Duvido que comece antes das três da madrugada... Pena, é uma das melhores comédias do cinema, deve existir uma regra tácita na televisão aberta que bane qualquer coisa remotamente inteligente a clandestinidade.
O título é um acrónimo em inglês de Hospital Cirúgico-Médico Móvel do Exército, e ação se passa na Guerra da Coréia. À primeira vista, parece de mal-gosto uma comédia sardônica numa guerra, ainda mais num acampamento médico. Só que o comportamento hedonista dos integrantes, acaba sendo um dos mais poderosos líbelos pacifistas já feitos. Produzido no mesmo período da Guerra do Vietnam, produzia um ligação, consciente, que demonstrava que ao contrário da Segunda Guerra Mundial, que combateu um sistema facínora, as duas eram batalhas sem lógica, pelo que afinal os EUA se meteram nessas duas enrascadas?
Aqui se burila o que no futuro seria a marca de Robert Altman, o estilo multifacetado com várias histórias e personagens que se entrecruzam, consagrado em Nashville, e elevado ao estágio sublime em Short Cuts - Cenas da Vida.
Por isso o filme é uma impagável sucessão de micagens e pegadinhas. As melhores são dirigidas contra o major certinho interpretado por Robert Duvall e a enfermeira-chefe, que depois de juntos serem desmascarados, passa a ser chamada de Hot Lips (lábios quentes).
Outra é quando o dentista residente, que por ser extremamente bem dotado, hããã e não me refiro aos seus méritos intelectuais, ganha o apelido de Painless (sem-dor), se descobre impotente e decide que a vida não tem mais sentido decidindo suicidar-se. Seus companheiros ao saber disso, em vez de solidarizar-se com o homem do jeito contrito, fazem uma festa de despedida de aromba. O ponto alto é quando apresentam uma música especialmente composta para a ocasião: Suicide Is Painless.


Não se deixe enganar, é uma das películas das mais argutas. Possivelmente este seja o motivo para que Robert Altman, o diretor, desprezasse a série de TV baseada no filme, o conteúdo político foi esvaziado em detrimento da comédia (o clip no alto é uma montagem com cenas do seriado). Para o imenso desgosto de Altman, houve 11 temporadas na televisão. M*A*S*H*, a série é uma espécie de Roque Santeiro americano, seu último episódio foi a maior audiência da história da televisão de lá. Salvo engano, o recorde se mantém até hoje.
MASH no Corujão de hoje, isso sim é que é vida inteligente na madrugada!

Atualizado:
  1. A GLOBO não facilita em nada. Jô Soares voltou das férias ainda mais preguiçoso, e com convidados soporíferos, para completar na seqüência, no INTERCINE estava programado a bomba Halloween - Ressurreição. Tirei uma soneca esperando o CORUJÃO. Lamentavelmente quando acordei já tinha corrido uma hora de MASH. Ainda sim valeu a pena, continua irretocável, e com o tempo só melhora.
  2. Vai entender. A mesma classificação indicativa do Ministério da Justiça que tasca um selo vermelho (restrito para maiores de 16 anos) para HOUSE, o que o impede de ser exibido antes da 23 horas, por linguagem forte, insinuação sexual, morte e drogas; deu um verde (livre para qualquer público) para MASH. Taí mais um exemplo de que a censura é essencialmente tacanha, e de que o humor é a arma de inteligência suprema, subversivelmente enganando o sistema.
  3. Deu um pouco de trabalho, mas achei a cena no YouTube onde tocam Suicide Is Painless, repare que no comecinho eles reproduzem as mesmas marcações d'A Última Ceia" de Leonardo DaVinci.

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