sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Unusual

O signatário deste blog é um mal leitor de poesia, é um tanto surpreendente quando faz esta revelação entre seus conhecidos, que presenciaram várias manifestação do seu amor aos livros. As razões para tal merecem ser exploradas, mas não agora.
Por isso, constrangido confesso uma solene ignorância da obra de Nelson Ascher, gente gabaritada o tem como um dos grandes poetas brasileiros da atualidade, repasso o alto conceito, mas lembrando que não é meu. Tenho sim, muita admiração pelo ensaísta, que até alguns meses ocupava a PENSATA na segunda-feira da ILUSTRADA, caderno de cultura da FOLHA DE SÃO PAULO. Sentimento que só cresce a cada novo texto de seu substituto, Luís Felipe Pondé, comparar os textos de um e outro é como comparar a luz de uma lanterna e a do sol.
Minha, também é a inveja por Ascher ser tradutor de várias línguas; das corriqueiras, inglês, francês, italiano; as clássicas, latim e grego antigo; e mesmo exóticas como as eslavas. Sempre tive fascínio por esse personagem que é o tradutor, a erudição requerida, a sensibilidade para absorver a obra, a escolha das palavras, a tessitura do conjunto no trabalho finalizado.
O poema abaixo ficou conhecido por ser lido numa bela cena de Quatro Casamentos E Um Funeral, não acredito que exista alguém estúpido o bastante, mesmo que tenha visto só uma vez e há muito tempo não lembre quando, mas nas primeiras linhas até quem não conhece o filme saberá o momento em que foi declamado ( o que em idioma nerdês afetado é chamado de spoiler).
Nelson Ascher já tinha uma versão anterior na época do lançamento do filme, só que confessa que a realizou em poucas horas, agora tem-se uma versão nas suas palavras, mais cuidadosa. Numa googlada encontrei a primeira e posto depois a nova. Façam suas escolhas!

Funeral Blues - W. H. Auden

Stop all the clocks, cut off the telephone,

prevent the dog from barking with a juicy bone,

silence the pianos and, with muffled drums,

bring out the coffin, let the mourners come.

Let airplanes circle moaning overhead

scribbling on the sky the message: he’s dead.

Put crepe-bows round the white necks of the public doves,

let the traffic policemen wear black cotton gloves.

He was my North, my South, my East and West,

my working week, my Sunday rest,

my noon, my midnight, my talk, my song.

I thought that love would last forever; I was wrong.

The stars are not wanted now, put out every one.

Pack up the moon, dismantle the sun.

Pull away the ocean and sweep up the wood.

For nothing now can ever come to any good.

Tradução de 1994.

Funeral Blues - W. H. Auden

Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás

Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto – um laço no pescoço
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu

Era meu Norte, Sul, Leste, Oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana

É hora de apagar estrelas – são molestas,
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante.

Tradução de 2008.

Blues Fúnebres - W. H. Auden

Detenham-se os relógios, cale o telefone,

jogue-se um osso para o cão não ladrar mais,

façam silêncio os pianos e o tambor sancione

o féretro que sai com seu cortejo atrás.

Aviões acima, circulando em alvoroço,

escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.

Pombas de luto ostentem crepe no pescoço

e os guardas ponham luvas negras como breu.

Ele era norte, sul, leste, oeste meus e tanto

meus dias úteis quanto o meu fim-de-semana,

meu meio-dia, meia-noite, fala e canto.

Julguei o amor eterno: quem o faz se engana.

Apaguem as estrelas: já nenhuma presta.

Guardem a lua; e o sol também foi o bastante.

Recolham logo o oceano e varram a floresta.

Pois tudo mais acabará mal de hoje em diante.


Atualizando:
Pensando neste post, o signatário do blog notou um desleixo, por que não incluir a cena onde é lido Funeral Blues em Quatro Casamentos E Um Funeral? Para compensar tal negligência, procurei um vídeo que tivesse legendas em português. Ei-lo.

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Now playing: Leonard Cohen - Ain't No Cure For Love
via FoxyTunes

Um comentário:

Amanda disse...

Para quem se diz um falho apreciador de poesia, escolheu muito bem!
Ah, sou estúpida o bastante para dizer que nunca assisti ao 4 Casamentos e um funeral!! rsrs